sexta-feira, 27 de abril de 2012

Crise de Abastecimento e Carestia em Salvador na Década de 1850


CRISE DE ABASTECIMENTO E CARESTIA EM SALVADOR NA DÉCADA DE 1850





Wagner Aragão Teles dos Santos[1]



Resumo: Este presente trabalho aborda a situação da cidade de Salvador referente à crise de abastecimento e a carestia de gêneros de primeira necessidade, ocasionados pela seca e a cólera-morbo que afligiu a cidade nos primeiros anos da segunda metade do século XIX.


Palavras-Chave: Carestia, crise de abastecimento, farinha de mandioca, carne verde.



Durante o século XIX, a Bahia vivenciou vários momentos de dificuldade econômica proporcionada pela seca, chuvas e doenças, que variavelmente prejudicavam a produção de gêneros de subsistência, possibilitando um aumento significativo nos preços desses artigos, tornando a vida cotidiana quase insuportável para as classes menos favorecidas. Gerando assim, crises de abastecimentos e alta nos preços, que levava o povo algumas vezes à pequenas revoltas por acesso a esses artigos de primeira necessidade.
Dentre os aspectos mais importantes para a crise de abastecimento e alta nos preços de gêneros alimentícios de primeira necessidade na Bahia na segunda metade do século XIX, o clima foi talvez, o de maior relevância.
Segundo Antônio Risério, as chuvas trouxeram grandes prejuízos para a Bahia na segunda metade do século XIX:

Os anos de 1851-1852 foram de chuvas excessivas, superabundante, resultando na destruição de safras de matérias-primas exportáveis e de produtos alimentares essenciais para a dieta da população, como a farinha de mandioca[2].


Antônio Risério conta também que, “entre 1857-1960, a Bahia sofreu uma das secas mais longas de toda sua história, comprometendo terrivelmente a produção de alimentos.”[3] Principalmente, a mandioca, artigo consumido em larga escala pelos escravos e pela população mais carente de Salvador.
A farinha de mandioca, o feijão e a carne verde, alimentos mais consumidos no Brasil imperial, foi tão gravemente atingidos pela alta nos preços nesse período que, segundo João José Reis e Márcia Gabriela, em 1854, um pedreiro gastava 47,3% de seu salário na compra desses itens. Já em 1858, em pleno período de seca, o valor comprometido seria de 58,5% de seu salário.[4]
Esses relatos demonstram o quanto as condições climáticas foram desfavoráveis para a produção de alimentos na Bahia nesse período. No entanto, não só o clima foi responsável por prejudicar a economia baiana oitocentista.
Na segunda metade do século XIX, a Bahia sofreu com a febre amarela e a cólera-morbo. Em 1855 e 1856, Salvador foi visitada pela cólera-morbo, que chegou ao porto da cidade no navio Imperatriz, vindo do Pará. Fazendo da Bahia a segunda província a ser atacada pela doença[5], prejudicando sensivelmente o sistema de abastecimento da cidade matando milhares de pessoas, como nos conta Antônio Risério:

De acordo com dados coletados por Onildo Reis David (O inimigo Invisível- Epidemia na Bahia no Século XIX), a peste deixou quase dez mil mortos em Salvador, 8.500 em Santo Amaro, 8.200 em Cachoeira, 3.215 em Nazaré das Farinhas, etc. Se esses números seriam certamente altíssimos mesmo hoje em dia, imagine-se naquela época, quando Salvador não ultrapassava a casa dos cem mil habitantes. [6]


A partir desses números, é impensável acreditar que com a morte de quase 30.0000 habitantes; apenas nas cidades citadas, não tenha havido prejuízo para o sistema produtivo e de abastecimento de Salvador e Recôncavo baiano.
Evidentemente que com esse número de mortos, a região, indubitavelmente, necessitaria de menos alimentos para suprir o mercado interno. No entanto, ao mesmo tempo, haveria menos mão de obra para trabalhar nas lavouras, prejudicando consequentemente a produção.
Podemos supor também que, muito provavelmente, o maior número dos atingido pela mortandade da cólera de 1856, fazia parte das classes subalterna, por viver em condições de vida pouco favorável à saúde humana. Sendo eles, diretamente responsáveis pelo sistema produtivo e de abastecimento da região, pois, trabalhavam nas lavouras e nos transportes dessas mercadorias.
Vale ressaltar que, mesmo que a epidemia de 1856 não tenha prejudicado a produção interna; o que é improvável, certamente foi responsável por crises de abastecimento no período.
 Epidemias como essa, prejudicavam o abastecimento de cidades portuárias como Salvador, que importava com regularidade a farinha de mandioca de algumas regiões distantes como: Espírito Santo, Rio de Janeiro e Santa Catarina[7]. A carne de charque vinda da região do Prata, fundamental na alimentação da maioria da população da cidade, era outro produto também prejudicado nos períodos epidêmicos.[8]
Em relação a produção interna desses alimentos, Cleide de Lima Chaves explica também que, “apesar da farinha de mandioca ser produzida na província da Bahia, sua produção era insuficiente para atender o mercado local”[9], necessitando importar de outras províncias.
Além disso, com a chegada da cólera em Salvador, seus portos foram prejudicados, pois, os médicos-sanitaristas recomendavam que se fizessem uso da quarentena em navios que chegavam na cidade, reduzindo assim, a chegada e saída destes, prejudicando o fornecimento de produtos, principalmente, carne e farinha.[10]
Nesse período epidêmico, os médicos baianos começaram também, recomendar que não comessem a carne de charque, pois era segundo eles, gordurosas e rançosas. Prejudicando assim, a carne importada do Prata, dando preferência à carne verde abastecida pelo mercado interno.[11]
No entanto, no ano 1857, a cidade de Salvador sofreu com uma alta significativa no preço da carne verde. Consequência, muito provavelmente, da grande estiagem que ocorreu nesse ano e as consequências da epidemia de cólera do ano anterior.[12]
O gráfico abaixo nos mostra o quanto foi essa variação nos preços da carne verde nos anos de 1856 e 1857:


Tabela: preço médio da carne verde em meados da década de 1950.[13]
Ano
Arroba da carne verde
(em réis)
Preço da carne ao consumidor, em réis por libra (453gr.)
1856
4$480
$135
1857
4$950
$150



Esses números nos mostra que entre 1856, ano da epidemia de cólera e 1857, período da grande seca que assolou a Bahia até 1860, a carne verde aumentou de preço significativamente. O aumento foi de 10,5%, tanto para a arroba vendida aos açougues, quanto para a libra vendida ao consumidor final.[14]
É difícil não relacionar esse aumento à seca e a epidemia de cólera ocorrida nessa época, pois, nem na década anterior, nem na década seguinte houve aumentos de tal importância no preço da carne verde em Salvador. Entre os anos de 1845 e 1847 o preço da carne verde aumentou cerca de 5,2% ao consumidor final, praticamente a metade da inflação ocorrida entre os anos de 1856 e 1857. [15]
Se pegarmos a diferença de preço de 1847 à 1857, evidenciamos um aumento na inflação de 47% no preço da carne verde nesses dez anos, ou seja, média inflacionária de 4,7% ao ano.
 Em meados da década de 1860 a inflação foi ainda significativamente menor. Entre os anos de 1865 à 1869 houve uma deflação de 38,3%[16], demonstrando o quanto os números da inflação entre os anos de 1856-1857 foram acima da média, sinalizando que alguma coisa prejudicou o sistema produtivo de carne verde do período, ou no entanto, a preferência pela carne verde em detrimento da carne de charque, aconselhada pelos médicos, tenha aumentado significativamente o consumo desse artigo ao ponto da produção interna não conseguir dar conta da demanda.
Como vimos, a carestia de preço não foi uma exclusividade da carne verde. Concomitantemente com a diminuição do consumo de carne de charque proporcionada pelas recomendações médicas em combate à cólera-morbo e a seca de 1857, a farinha de mandioca, outro item largamente consumido no Brasil imperial, sofreu nesse período com aumentos em seus preços.
Essas crises de abastecimentos e consequentemente, o aumento nos preços nos produtos, ajudaram a eclodir em 1858, uma revolta que mobilizou parte da população de Salvador por melhores preços nos artigos de subsistência, principalmente, a carne verde e a farinha de mandioca.
 Essa revolta ficou conhecida como o motim da ”carne sem osso, farinha sem caroço”[17], por causa da reivindicação da população por melhor qualidade e menores preços na carne e na farinha de mandioca que estavam disponíveis no comércio.









REFERÊNCIAS:

RISÉRIO, Antônio. Uma História da cidade da Bahia. Rio de janeiro. Versal Editores. 2004.

REIS, João José; AGUIAR , Márcia Gabriela de. Carne sem osso e farinha sem caroço: O Motim de 1858 contra a carestia na Bahia. Salvador. Revista de História. 1996.

CHAVES, Cleide de Lima. “Fluxo e refluxo” do cólera na Bahia e no Prata. Salvador. 2000.

CHAVES, Cleide de Lima. A economia baiana e platina no século XIX: a integração regional. Salvador.

LOPES, Rodrigo Freitas. Nos currais do matadouro público: o abastecimento de carne verde em Salvador no Século XIX ( 1830-1873). 153f. 2009. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia, Salvador.


[1] Wagner Aragão Teles dos Santos é graduado em Licenciatura em História pelo Centro Universitário Jorge Amado.
[2] RISÉRIO, Antônio. Uma História da cidade da Bahia. Rio de janeiro. Versal Editores. 2004. P. 304.
[3] Ibid. p.304.
[4] REIS, João José; AGUIAR , Márcia Gabriela de. Carne sem osso e farinha sem caroço: O Motim de 1858 contra a carestia na Bahia. Salvador. Revista de História. 1996. p. 151.
[5] CHAVES, Cleide de Lima. “Fluxo e refluxo” do cólera na Bahia e no Prata. Salvador. 2000. p.02.
[6] RISÉRIO, Antônio. Uma História da cidade da Bahia. P. 304.
[7] REIS, João José; AGUIAR , Márcia Gabriela de. Carne sem osso e farinha sem caroço: O Motim de 1858 contra a carestia na Bahia. Salvador. Revista de História. 1996. p. 152.
[8] CHAVES, Cleide de Lima. “Fluxo e refluxo” do cólera na Bahia e no Prata. Salvador. 2000. f.04.
[9] CHAVES, Cleide de Lima. A economia baiana e platina no século XIX: a integração regional. Salvador. f.04.
[10]CHAVES, Cleide de Lima. “Fluxo e refluxo” do cólera na Bahia e no Prata. Salvador. 2000. f..05.
[11] CHAVES, Cleide de Lima. “Fluxo e refluxo” do cólera na Bahia e no Prata. Salvador. 2000. f..05.
[12] LOPES, Rodrigo Freitas. Nos currais do matadouro público: o abastecimento de carne verde em Salvador no Século XIX ( 1830-1873). 153f. 2009. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia, Salvador.
[13] LOPES, Rodrigo Freitas. Nos currais do matadouro público: o abastecimento de carne verde em Salvador no Século XIX ( 1830-1873). 153f. 2009. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia, Salvador. f.78.
[14] Ibid. f.78.
[15] Ibid.
[16] LOPES, Rodrigo Freitas. Nos currais do matadouro público: o abastecimento de carne verde em Salvador no Século XIX ( 1830-1873). 153f. 2009. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia, Salvador. f.79.
[17] REIS, João José; AGUIAR , Márcia Gabriela de. Carne sem osso e farinha sem caroço: O Motim de 1858 contra a carestia na Bahia. Salvador. Revista de História. 1996.

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